Meados de setembro de 1987, uma cápsula de césio abandonada no Instituto Goiano de Radioterapia foi recolhida por dois catadores. A peça foi rompida a marretadas e vendida a um ferro-velho. Atraídos pelo brilho azul do material, moradores de Goiânia levaram pedaços da peça para casa. O desmantelamento por catadores de papel de parte de um aparelho de radioterapia contendo uma cápsula de césio 137 dava início em Goiânia ao " maior desastre radiológico do planeta" . A radiação provocou a morte de quatro pessoas -ao menos outras 16 tiveram lesões corporais. Toda a cidade foi atingida pela dor, o medo, a discriminação.
Dez anos depois, o acidente não foi esquecido. A cápsula do césio possuía 3 cm de comprimento e 90 gramas de massa. Os envolvidos no acidente, por ignorarem a periculosidade do conteúdo, distribuíram suas partes e porções do pó radioativo entre várias pessoas e locais da cidade, abrangendo área superior a 2.000 m2, localizada no centro de Goiânia.
A descontaminação produziu aproximadamente dez toneladas de lixo contaminado. São roupas, móveis, animais, árvores, restos de solo, paredes de casas e partes da pavimentação de ruas contaminados que estão enterrados e protegidos por paredes de 40 cm de espessura.
6.000 toneladas de lixo radioativo estão no depósito de Abadia de Goiás
Grupo I 55 vítimas, que receberam altas doses
Grupo II 51 atingidas por doses consideradas médias
Grupo III 600 que receberam doses baixas ou nem tiveram contaminação comprovada, mas ficaram expostos aos riscos da radiação.
A descontaminação
Catorze indivíduos mais atingidos pela radiação foram encaminhados ao Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro. O restante foi atendido em Goiânia.
Toda a assistência prestada às vítimas do 137Cs seguiu normas internacionais de isolamento, tratamento e descontaminação. O isolamento dos pacientes, feito no Hospital Geral de Goiânia, ocupava um andar e era dividido em três diferentes áreas. Na área considerada crítica, onde se encontravam os quartos dos pacientes, enfermagem, sanitários, sala de exercícios e a de lazer, todos os materiais, inclusive vestimentas, eram monitorizados. Diariamente, eram efetuadas medidas de descontaminação na área crítica. Um filtro de ar funcionava ininterruptamente para que se soubesse o grau de contaminação do ar. Diante de qualquer alteração, a equipe da Proteção Radiológica fazia descontaminação com material abrasivo.
Os procedimentos visando a acelerar a eliminação do 137Cs foram satisfatórios, pois contribuíram para a diminuição da contaminação verificada no contador de corpo inteiro, bem como na avaliação de quantidade de material radioativo eliminado pela urina e fezes.
bullet Os pacientes tomavam três, quatro banhos por dia com solução de vinagre.
bullet Utilizou-se também métodos abrasivos para descontaminação da pele e aplicação de resinas de trocas iônicas, as quais eram colocadas em luvas e botas plásticas para descontaminação de mãos e pés.
bullet Ingestão de altas doses de ferrocianeto férrico, conhecido como azul-da-Prússia.
bullet Exercícios físicos e banhos de sauna para eliminação através do suor. Ingestão de líquidos em abundância (3.000 mL/dia), entre água e sucos de frutas ricas em potássio.
bullet Os dejetos dos pacientes eram coletados em frascos plásticos e analisados rotineiramente em laboratório de Radioquímica, no Rio de Janeiro.
bullet Rejeitos foram estocados em tonéis de aço e considerados lixo radioativo. Métodos cirúrgicos para remoção de partes desvitalizadas de acordo com cada um dos casos.
Quatro vidas perdidas
O acidente radiológico afetou a saúde de centenas de pessoas que tiveram algum contato com o elemento químico e provocou quatro mortes.
Uma mulher, uma criança e dois jovens morreram cerca de um mês após receber altas doses de radiação.
1. Maria Gabriela Ferreira, 29 anos, foi a primeira vítima a morrer. Ela foi a óbito no dia 23 de outubro de 1987, às 11h55
2. Leide das Neves Ferreira, que ingeriu partículas de 137Cs, morreu aos 6 anos de idade, às 18 horas de 23 de outubro
3. Israel Batista dos Santos, 18 anos, trabalhava no ferro-velho onde foi aberta a cápsula. Contaminado, morreu no dia 27 de outubro
4. Admilson Alves de Souza, 18 anos, também empregado do ferro-velho, morreu em 28 de outubro
O que é o césio?
As primeiras tentativas do homem de classificar a matéria levaram-no a acreditar na existência de quatro divisões gerais: ar, água, terra e fogo. Essa classificação permaneceu por muito tempo, até surgirem filósofos como Demócrito (filósofo grego) que denominou “átomo” a forma fundamental da matéria.
Hoje em dia sabemos que o átomo é o menor elemento capaz de exibir características físicas e químicas. Um grupo de átomos forma a “molécula”. Os átomos classificados são exibidos em uma tabela conhecida como Tabela Periódica.
O césio 137 é um elemento resultante da fissão nuclear do urânio. O processo começa com a inserção de um nêutron em um reator abastecido com urânio 235. O urânio absorve o nêutron, passa a ser urânio 236 e fica instável, isto é, fica com excesso de energia que precisa liberar para tornar-se estável novamente. Para recuperar a estabilidade, ele se quebra em dois pedaços (fissão nuclear), liberando radioatividade (raios gama) e vários nêutrons (esses nêutrons vão bombardear outros átomos, repetindo todo o processo, no que se chama de reação em cadeia). Cada um dos dois pedaços é um novo elemento, dependendo do número de prótons e nêutrons que recebeu.
Mais de 100 elementos se formam como resultado da fissão. Um deles é o césio 137, que também é instável, isto é, precisa liberar excesso de energia. O núcleo do césio 137 é constituído por 55 prótons e 82 nêutrons. A soma desse números é a massa atômica, 137. Essa composição dá instabilidade ao núcleo do césio. Para recuperar a estabilidade, um dos nêutrons vira próton (o núcleo fica com 56 prótons e 81 nêutrons) e uma partícula com carga negativa, chamada partícula beta, é expulsa. Esta partícula constitui a radioatividade do césio 137. Ao liberar esta radioatividade, ele se transforma em outro elemento: bário 137. O bário 137 também é instável e, portanto, radioativo. Para recuperar a estabilidade, ele emite raios gama. Após fazer isso, deixa de ser radioativo. Continua a ser chamado de bário 137, mas é inofensivo. O césio 137 começa a perder sua radioatividade em aproximadamente 30 anos.
A radioatividade pode ter efeito devastador no organismo humano. Começa a destruir as células de dentro para fora: primeiro a camada muscular seguido dos vasos sanguíneos, depois atinge a camada de gordura, posteriormente a derme e a epiderme.
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* O presente título desta página foi tema de notícia do jornal Folha de São Paulo (Todo dia uma fonte de radiação é perdida no mundo, diz perito, edição de 31 de outubro de 1997). Há um exagero em denominar o acidente de Goiânia como o maior acidente radiológico do planeta. Sem entrar no mérito da semântica entre "radiológico" e "nuclear", os primeiros experimentos com as explosões das bombas atômicas nas ilhas de Biquíni, o acidente de Chernobyl dentre inúmeros outros acidentes foram muito mais importantes do que o de Goiânia. Se considerarmos como acidente da ignorância humana as duas explosões atômicas lançadas a poucos metros da cabeça da população civil de Hiroshima e Nagasaki então o acidente de Goiânia foi imensamente menor! Nesta mesma linha, a legislação brasileira exigiu por várias décadas que todo trabalhador brasileiro fosse "abreugrafado" a cada seis meses é evidente que a repercussão radiológica populacional desta estupidez anula o título desta notícia.
Fonte:
Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo